sábado, 3 de julho de 2010

3º dia... mendiga Joana

FOSTE VIOLADA?

Foi a coisa mais assustadora que ouvi hoje, mas já lá vamos...

Cheguei à baixa já elas lá estavam à minha espera. Fui vestir-me, entrei uma coisa e sai outra.
Optei por ficar logo na rua dos armazéns do Chiado, hoje é sábado e imensa gente passa por ali, por isso decidi que seria um bom sitio para ficar.
Sentei-me num canto e comecei logo a sentir os olhares das pessoas sobre mim... A pena, a injustiça, as questões... Enfim todo o tipo de emoções que por norma sou capaz de gerir, mas naquele momento e na situação que estava, tudo isso ganhava uma estranha grandeza!

Passaram-se minutos que pareciam horas na rua por onde passo regularmente e que desta vez tinha um tamanho gigante (por incrível que pareça, do chão as pessoas parecem ainda maiores e desinteressadas).

Chegou a altura de mudar de rua... Procurar um beco para poder descontrair respirar fundo... Sai apresada, precisava de descansar a cabeça e o corpo de tantos olhares! Escondi-me perto do "Amo-te Chiado", mas mesmo assim os olhares pareciam estar em todos os cantos.
Recompus-me e lá fui eu! Decidi que o lugar onde queria ficar era a escada que fica perto da saída da Baixa Chiado. Sentei-me e algumas pessoas olharam, mas achei que podia mais... Então deitei-me na escada e passados poucos minutos um rapaz que vinha a descer parou perto de mim, perguntou se queria alguma coisa, se estava bem, se queria alguma coisa. Apenas conseguia responder acenando com a cabeça.
Passam então as pessoas conhecidas. Escondo-me, disfarço, fecho os olhos (tanta coisa me passou pela cabeça quando fechei os olhos).
Abri os olhos e tinha junto de mim uma menina preocupada que me fez imensas perguntas:
"estas bem?"
"precisas de alguma coisa?"
"não te queres sentar e beber um pouco de água?"
"alguém te fez mal?"
"foste violada?"
Respondi que não e sentei-me nas escadas, quando reparei tinha imensas pessoas à minha volta, só consegui levantar-me e correr... Fugi!
Decidi que por hoje e depois das aventuras que tinha passado, eram bom para mim, não ficar mais tempo, por isso passei pelas minhas colegas, entrei nos Armazéns do Chiado e voltei a ser a Joana... Por hoje e como primeira experiência gostei, mas ainda estou a tentar gerir as emoções... Foram tantas e tão confusas, que agora só quero o meu conforto...

sexta-feira, 2 de julho de 2010

2º dia... mendiga Rita B.

E como explicar o que se passou hoje? A experiência de entrar nos armazéns do chiado na pele de Rita e sair numa pele abandonada e assustada de mendiga foi aterradora. Faltam sem dúvida as palavras!
Saí à rua, e para começar, dirigi-me à rua Augusta talvez por ser mais perto ou por ser das ruas mais badaladas da Baixa... Os olhares eram constantes, a preocupação e a pena predominavam. Só me perguntava o quão chocante seria a minha imagem naquele momento...
Decidimos mudar de local, voltei a sentar-me no chão e apanhei o meu primeiro susto: caras conhecidas.  O medo apoderou-se imediatamente, apertei as pernas, tentei esconder-me e nem passados dez minutos tenho turistas à minha volta a perguntar-me se estava bem. Da maneira que estava a minha primeira reacção foi fingir não entender a língua... Só os queria fora dali, a sua preocupação estava a destruir a máscara que coloquei assim que me vesti.
Acabaram por ir embora mas as emoções eram muitas e mais fortes que eu, pelo que se deu uma escapatória infinita de lágrimas. Nem mais um momento! Fui obrigada a retirar-me para uma ruela menos movimentada para respirar e acalmar-me, não havia maneira de elas me deixarem na rua novamente!
Mal me acalmei demonstrei logo vontade de continuar com o projecto e fomos até ao Terreiro do Paço. O ambiente é totalmente diferente, muito mais calmo, menos povoado, pelo que me foi mais fácil de permanecer por ali... Mas chegou a hora de mais uma vez mudarmos de local.
Desta vez escolhi a Praça da Figueira, estava com vontade de continuar, queria mais... Parei mesmo em frente aos bancos onde toda a gente pára por aquela hora. Ali sim tudo à minha volta era pesado e assustador.
Os comerciantes olhavam e comentavam, as pessoas na rua cochichavam acerca da minha idade e do meu estado, perguntava-me se estava bem e insistiam em ligar para os meus pais... Só dizia que não, acenava apenas, novamente faltavam as palavras...
E mesmo no final, ao dirigir-me até aos Armazéns para ir buscar a Rita outra vez, passei por caras mesmo conhecidas... O coração falhou uma batida ao ver que me olhavam, sem se aperceberem de quem era!
Desde a conversa com os turistas que as minhas emoções ficaram balançadas, e mesmo após voltar a ser a Rita, a mania da perseguição apoderou-se...
Agora só com o tempo.

Vem ai o segundo dia!

Para todos os que nos seguem... ao fim da tarde irá estar aqui o relato de um novo dia!
Hoje é a mendiga Rita Barros.

Até logo =)

Mendigas

quinta-feira, 1 de julho de 2010

1ºdia... mendiga Rita

Fui a primeira a chegar à  Baixa Chiado, e quanto mais via o tempo a passar, a hora a aproximar-se, os nervos de me expor a quaisquer olhares, eram cada vez maiores.
Elas chegaram, com as máquinas prontas, para fazer a reportagem fotográfica ao acontecimento, e eu...Eu sentia-me como nunca, numa tentativa de me mentalizar rapidamente daquilo por que ia passar, porque de facto ia mesmo acontecer.
Uma experiência inigualável, pela qual jamais pensei que alguma vez poderia vir a passar.
Dirigi-me a um café no qual entrei completamente 'normal', e saí já vestida adequadamente. Entrou a Rita e saiu a mendiga.
Não fazia ideia do que ia acontecer, mas já lá estava, então meti-me a caminho, à procura do meu canto, com elas sempre por perto.
Sentei-me ao pé de uma esplanada, na rua Augusta, com um ar assustado e perdido, porque no fundo era mesmo isso que eu estava.
Eram imensas as pessoas que por ali passavam. Olhavam e algumas até paravam, mas não senti olhares de indiferença, senti olhares de pena, pelo facto de ser tão novinha e já andar a mendigar.
Sempre de cabeça pousada nas pernas e mão na cara, temia o mais desconhecido.
Passaram-se alguns minutos, em que as pessoas limitavam-se a olhar, mas o imprevisto menos planeado aconteceu. Dirigiu-se a mim um senhor que tinha parado num quiosque relativamente perto.
Preocupado fez-me algumas perguntas às quais eu respondia, tremendo descontroladamente, apenas com a cabeça. Queria saber como tinha ido ali parar, se tinha fugido de casa e se tinha amigos ou família, tive de conter algumas respostas, porque não optei sequer por falar, e a última coisa que tentou saber foi se eu estava, e ficava bem e se ele se podia ir embora. Eu respondi, de imediato, que sim. Só queria que aquela tentativa de diálogo acabasse.
Eu pedia-lhes discretamente uma pausa, porque não estava minimamente preparada para o sucedido. E comecei a andar, mais à frente para não ser vista com elas, até uma rua paralela para podermos conversar. Elas confessaram que de certa maneira também se assustaram. Mas perguntaram se eu sentia que conseguia continuar, eu disse que conseguia, mas não por muito mais tempo.
Voltámos a andar separadas e eu acabei por me sentar à frente de uma montra velha mas bastante visivel.
Nem 10 minutos passaram e voltaram a abordar-me. Um empregado, de um restaurante próximo ofereceu-me um bolo. Mesmo recusando, ele deixou-o lá, insistindo que ficasse com ele, e foi-se embora.
Como referi os olhares não eram minimamente indiferentes, o que me intimidava era o facto do sentimento de pena predominar visivelmente.
Depois de algum tempo a ser constantemente observada, mudei de sitio já com o objectivo de conseguir tirar só mais algumas fotografias. Depois voltei a mudar de roupa, terminando assim o primeiro dia de mendiga, e conseguindo atingir os primeiros objectivos.

O projecto

Foi-nos proposto um projecto baseado no ano internacional contra a pobreza. Ao qual reagimos logo com grande entusiasmo.
Os dias iam passando, e a inscrição no concurso estava cada vez mais próxima. Mas as ideias...essas não surgiam.
Numa tarde, quando menos esperávamos e já desesperávamos, finalmente surgiu-nos A ideia.
Uma ideia um quanto diferente e bastante original. Na qual tínhamos como objectivo sentir emocionalmente, e fisicamente a experiência de passar 10 dias como mendigas na capital portuguesa.
A ideia foi muito bem recebida e decidimos ir em frente.
Neste blogue vamos apresentar não só os relatos dos nossos dias, bem como alguns dados sobre esta realidade.

Este projecto foi criado pela Universidade Católica Portuguesa em colaboração com a Fundação Montepio. Para que tudo seja realmente bom, precisamos da ajuda de todos aqueles que queiram ajudar. COMO? Comentando e divulgando este blogue.

Desde já... OBRIGADA!

as mendigas...