terça-feira, 13 de julho de 2010

8º dia... Mendiga Rita

Mais um dia que me competia a mim realizar...
Desta vez, confesso que o nervosismo não era tão grande, era maior a pressão de não poder explicar, a todos os olhares que por mim passavam, ou a qualquer abordagem, que o que se sucedia, fazia parte de um projecto, e que a minha vida não era aquilo.
Eu sou uma rapariga, de 15 anos apenas, que por enquanto tem a sorte de não olhar o mundo com tamanhas dificuldades.
Então, e mais uma vez, a Baixa-Chiado, foi o ponto de partida. Saí dos Armazéns, já a desempenhar a minha personagem, mas ainda com um sorriso na cara, porque foi a melhor maneira que encontrei de encarar mais uma manhã destas, e novamente descalça, na apaixonante calçada portuguesa, meti-me a caminho à procura do meu refúgio.
Por sugestão da outra Rita, sentei-me nas mesmas escadas em que a Ana esteve no dia anterior. A rua era de facto muito movimentada, e as primeiras abordagens não tardaram. Pois, mal me sentei, passaram no cimo das escadas dois operários que me saudaram apenas, e pouco tempo depois, passou por mim um senhor, que não andava a mendigar, penso, mas a angariar dinheiro para qualquer coisa, e que teve a preocupação de parar, olhar e saber se estava bem. Com um sorriso, pela preocupação que ele teve, acenei convicta que 'sim'.
Voltei a encostar a cabeça às pernas, e sempre com um sentimento de inferioridade, enquanto ali estava, senti que haviam diferenças nos olhares, daí serem poucas as vezes que era capaz de olhar alguém nos olhos.
Muitas faixas etárias subiram e desceram aquela extensa rua, durante o tempo em que ali estive, tendo mesmo de passar por diante de mim, e cada um com a sua reacção.
Os mais jovens eram quem desta vez mais mostrava pena, pelo facto de terem uma idade mais aproximada da minha e não se imaginarem, sequer, na 'minha situação'. Em relação ao resto das pessoas, e das poucas vezes em que tinha coragem de dar a cara, e levantar a cabeça das pernas, foi mais predominante o sentimento de indiferença, senti que para muitas, passei despercebida, senti que não davam valor ao que de mais importante as rodeia.
Como se a maioria dos sem-abrigo escolhesse um estilo de vida assim. Na minha opinião muitos tiveram a culpa de inicio, mas mais tarde já não teriam como remediar. Mas um caso não são casos, e este projecto está a fazer com que tenhamos uma visão mais aberta e dinâmica de muitas sensações simultâneas, enquanto mendigamos.
Decidi voltar a levantar-me e andar...Andar até um lugar mais calmo, onde pudesse finalizar a minha manhã, optei então pelo Terreiro do Paço.
Durante o meu percurso, o que mais mexeu comigo, foi a nova visão que tive dos outros mendigos que por ali se encontravam. Vi de tudo um pouco, dando agora outro valor ao que muitos fazem para recuperar na vida.
Não me saem da cabeça, as caras com que cada um mostrava o empenho que tinha, na maneira mais original de se destacar para obter ajuda. E sem eu me aperceber, despertaram-se muitas emoções em mim. Queria ajudar, mas não sabia como, não sabia sequer se por eles era destacada, nem sabia se alguém sentia a mesma necessidade que eu, de fazer alguma coisa. Porque no fundo eles não são inferiores, levam apenas uma vida diferente, e quem os inferioriza, somos NÓS!
Nunca levei tão a sério uma caminhada pela capital portuguesa, e nunca vi tanta distinção feita, muitas vezes sem se aperceberem.
Só gostava que todos passassem, um dia apenas, pelas dificuldades de cada um. Um dia ao sol, ou à chuva, com muito ou pouco vento e às vezes, sem ingerir comida ou algum líquido. Porque asseguro, que ninguém vai gostar de ver o mundo de baixo para cima.

6 comentários:

  1. Paloma Zanetti Silva13 de julho de 2010 às 20:08

    Esse vosso projecto esta pra la de fantastico.
    Que Deus abençoe voçês

    (L'

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  2. Parabéns!

    Ficamos ansiosas por assistir aos próximos dias. Força :)


    Mil Borrões.

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  3. Até agora foi o dia que mais me arrepiou...
    É dificil colocar-se numa situação e numa "vida" que não é a nossa mas é ainda mais dificil numa vida de "mendigo" porque nós levamos uma vida que não tem nada a ver, cheia de facilidades e comodidades!!

    Aguardo pelos dias que faltam... e anseio ver as vossas conclusões! Força!

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  4. Parabéns pela concepção deste projecto e pela coragem de o porem em prática. Será seguramente uma marcante experiência de vida e de aprendizagem para todas as participantes.

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  5. Acho a iniciativa muito criativa, e corajosa, e o resultado muito interessante! Muitos parabéns! É um orgulho imenso ver na nossa adolecencia esta consciencia madura, responsável e empreendedora, e a certeza de que existem muitos futuros adultos que não estão a crescer apenas à volta do seu umbigo. Acho a frase que termina este texto brilhante, e que poderia muito bem ser o titulo do projecto "Ver o mundo de baixo para cima"
    Um beijinho e muitas felicidades!

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